• MORRA, AMOR

      Este é o tipo de livro que entorpece a gente, desde o título até os mais profundos pensamentos da personagem. É como se a história nos sugasse para dentro dela, empurrando a gente até o cérebro da mulher que está ali, narrando a sua vida, num fluxo de consciência muitas vezes difícil de acompanhar. 

      No começo da leitura, tive a impressão de que a mulher, mãe, esposa e dona de casa, vive um processo de depressão pós-parto. Suas palavras são aparentemente confusas e parece que ela está tentando muito se adaptar à nova rotina de mãe, esposa e dona de casa. Com o passar das páginas, o livro vai se tornando cada vez mais denso e cortante, muitas vezes de maneira literal, já que a nossa personagem invariavelmente se refere a facas, cortes, machucados, morte.

      "Estava a poucos passos deles, escondida entre as ervas daninhas. Eu os espiava. Como é que eu, uma mulher fraca e malsã que sonha com uma faca na mão, era mãe e esposa desses dois indivíduos? O que fazer? Escondi o corpo afundando na terra. Não ia matá-los. Deixei cair a faca. Fui pendurar a roupa como se nada. Prendi bem as meias do meu bebê e do meu homem. As cuecas e as camisas. Eu me vi como uma caipira ignorante que pendura roupa e seca as mãos na saia antes de entrar na cozinha. Não notaram".

      Uma família aparentemente feliz, morando numa afastada região do interior da França. Uma mulher tentando lidar com seus demônios, arrependimentos, desejos de liberdade e a sensação de sufocamento, que ela faz parecer quase concreta para quem está lendo. Estamos diante da maternidade real, exaustiva, crua e muitas vezes até selvagem, assim como a vida conjugal e seus desejos mais reprimidos. 

      Ariana Harwicz desperta em nós os mesmos sentimentos de conflito dessa protagonista à beira da loucura, neste livro que vicia e traz à superfície os pensamentos mais obscuros que só alguém ultrapassando os limites da sanidade pode ter. Um texto que choca e nos afasta do lugar-comum dos romances sobre família e maternidade. Esta é a história de uma mulher que não suporta a vida bucólica, é indiferente aos vizinhos, ironiza os cotidianos familiares, como as noites de Natal ou um almoço de domingo e que luta entre o amor por um bebê que depende exclusivamente dos seus cuidados e o desejo de sumir da vida daqueles que não a enxergam da maneira que ela mesma se vê.

      Durante toda a jornada dessa mulher, podemos sentir o ir e voltar dos estados mais primitivos e solitários que a sua mente consegue chegar. Seu desespero é proporcional às vezes que se machuca e seu esforço para sentir algo além da apatia e do desprezo pelo marido, pelas convenções sociais e pelas obrigações de ser alguém que todos esperam que ela seja é quase palpável. A autora me fez entrar na história como se eu mesma estivesse sentindo o sangue escorrer pelo meu corpo. Eu poderia colocar fogo naquela casa, como a personagem tanto gostaria.

      A instabilidade como processo de cura e de reencontro consigo mesma. Um relato corajoso e sem pesar, que na vida real, raramente conseguimos presenciar. 

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