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Para dar início a essa lista inconveniente e provavelmente polêmica que você está prestes a ler, eu gostaria de fazer algumas considerações: 

•  os personagens podem ser muitos, há vários pontos de inspiração ao longo dos meus anos de vida;
•  pode ser que algumas situações que sejam mencionadas, não foram vivenciadas por mim, mas é possível que tenham sido muito bem observadas;
•  não precisei buscar tão longe as grandes referências que utilizei para escrever. Foi bem fácil localizar os fatos, na verdade;
•  espero que se você, homem, que exerce a função da paternidade ou que queira ser pai em algum momento da vida, se sentir afetado por qualquer evento ou situação postos aqui, reflita e ressignifique o sentido da paternidade, que aprendeu, provavelmente errado, observando os outros ótimos péssimos pais ao longo dos anos;
•  acho que teremos alguns tons de ironia, espero que não se importe.

Eu torço para que este texto-desabafo possa ser interpretado como uma anti homenagem ou uma homenagem às avessas, e que ele funcione como objeto de reflexão. Eu sempre esperei que algo assim tivesse acontecido com alguns pais ao meu redor. 

Para ser um ótimo péssimo pai você precisa, logo de cara, não ter planejado nada, nem mesmo cultivado a menor preocupação em como a sua vida mudaria, caso um filho chegasse repentinamente. Claro, tem o fator susto ou uma posição sempre muito privilegiada de não ser cobrado para assumir suas responsabilidades, e ainda o poder de escolha que a sociedade te dá incontestavelmente, como se fosse um presente. Excelente início de tudo.  

Você pode também, caso a paternidade tenha chegado carregada de muita vontade e realização de um sonho, ser alguém que não precise se preocupar nem entender todas as mudanças que certamente irão ocorrer na sua vida, na vida da sua companheira e especialmente no corpo dela, que carrega no ventre um exemplar do seu legado. Caso entenda que um filho somente começa a fazer sentido quando está em seus braços, é bem possível que você já consiga mais um ponto nessa cartela do bingo da vida.

Beba. Beba sempre e muito. Aproveite os últimos meses como homem sem filhos e curta ao máximo este período, até o minuto final para o grande dia. Estando ou não com a mãe do seu filho, faça-a entender que você precisa de um certo tempo para se acostumar com a ideia de entregar nos braços do mundo, alguém com seus genes, não importa como estejam as condições físicas, emocionais e hormonais da moça em questão. Agradeça ao ano que passou, a todos os que curtiram junto com você, mesmo que seu filho esteja correndo risco de sobrevivência. Isso é bem comum, para quê fugir da regra, não é mesmo?

Após o nascimento daquele lindo montinho de células que talvez tenha vindo ao mundo com grande parte das suas características físicas, vá comemorar fora da maternidade. Chame seus amigos, organize uma animada festinha de recepção para a chegada dessa nova vida à sua vida. Sem seu filho. Sem a mãe do seu filho. Veja bem, você está muito feliz, ora! A mãe da mãe da criança pode muito bem dormir com ela, afinal, não teria ninguém mais preparado e experiente para isso. Livre-se da culpa. Mulheres nasceram para isso e o seu momento ainda não começou. O bebê depende exclusivamente da mãe, você só iria atrapalhar mesmo.

No decorrer dos meses, lembre à sua esposa que você também precisa de atenção e que não existe apenas esse bebê na vida de vocês. Mostre como ela mudou, como anda desleixada e como sente falta da mulher que casou, mas continue amando aquele neném lindo e muito bem cuidado que você encontra sempre que chega do trabalho. Aprenda a trocar a fralda, mas só a que tiver xixi. É impossível conseguir controlar a vontade de vomitar quando se trata de uma fralda cheia de cocô. A mãe do bebê faz isso melhor do que ninguém e a fralda fica tão perfeita que você nunca entende como ela consegue.  

Continue bebendo e considerando que a vida mudou pouco desde a chegada do seu filho. Essa está sendo uma descoberta super importante e chega a ser engraçado lembrar o quanto você ficou assustado quando descobriu que seria pai. Até que as coisas não mudaram tanto assim. Enquanto você bebe cada vez mais, escolha algumas coisas que não trarão problemas, caso falte em casa. Assegure-se de que tem comida e energia, o resto vocês se viram durante o mês. Não permita que a mãe do seu filho reclame da sua ausência e do quanto está cansada. O que mais ela quer? O dinheirinho que você dá já não é suficiente para ela parar de reclamar sempre de tudo? Não admita essas mudanças de humor, você já trabalha demais e anda muito cansado de resolver tantos problemas do trabalho.

Não esqueça das fotos. De forma alguma deixe de registrar os vários momentos especiais que você passa com seu filho. Isso deve mostrar a todo mundo como você é presente, responsável e amável. Essa é uma parte fundamental da cartilha. As fotos são o registro do amor entre vocês e todo mundo sabe como é fantástica a sua postura paternal. “É lindo de ver”, eles dizem. Às vezes as pessoas poderão até presenciar algumas das suas grosserias, mas na verdade, geralmente são só impulsos de cansaço por causa do trabalho e todo mundo passa por isso, reconheça. 

Sua família também sabe como é, por isso o apoia incondicionalmente. Defende você de todo e qualquer erro. São apenas equívocos. Também concordam que a mãe do seu filho é muito ingrata por não reconhecer o homem sensato e maravilhoso que você se tornou, mesmo que sempre brigue com todo mundo, naqueles inúmeros encontros familiares que o ano inteiro proporciona. Eles sabem lidar muito bem com seu temperamento e sempre te perdoam. No dia seguinte é provável que você amanheça bastante arrependido do espetáculo que provocou, não importando todos os constrangimentos que causou aos seus filhos e à mãe deles. “Ele é assim mesmo, tadinho”, eles vão comentar. O que você precisará mesmo é de acolhimento. E isso, que alívio, é ofertado a qualquer momento. Nem é preciso muito esforço.

Sempre que possível, faça seus filhos entenderem que a mãe deles é alguém que nasceu para isso mesmo, mostrando a todos que você pode manter a família muito bem e deixando sempre no ar a sensação de que ela não conseguiria sobreviver neste mundo tão cruel se não fosse por você e sua benevolência ao manter os cuidados da sua família e todo mundo sob seu controle. É preciso que reconheçam o quanto você é dedicado e se sacrifica pelas suas crianças, e a mãe delas cumpre muito bem o papel que você sugeriu: o de ficar em casa organizando a vida de todos e assistindo impassível o reconhecimento que seus filhos terão sobre você. Somente você.

Com o passar dos anos você provavelmente estará bebendo cada vez mais. A vida é danada de complicada para ser enfrentada com sobriedade. Lembre que seus filhos continuarão dependendo do seu sustento, mas mostre a eles, sempre que tiver oportunidade, que não devem confiar tanto assim no  futuro, a não ser que se dediquem a trabalhar logo que puderem, para que na vida adulta eles não dependam do que você construiu nos últimos anos. Certamente, nada. Você não pode oferecer muita coisa a eles e isso será um aprendizado para todos, é bom lembrar.

Já caminho para o fim dos meus anti conselhos sobre como se tornar um ótimo péssimo pai. Uma dose bem forte de egoísmo poderá ser seu guia nesta jornada longa e insana que é trazer um filho ao mundo. Mas eu gostaria de alertá-lo que seguindo estes passos, você terá grandes chances de fazer virar fumaça tudo o que viveu a partir do minuto seguinte à chegada dos seus filhos. Grandes acessos de insegurança, falta de confiança nas pessoas, frustração e alguns naufrágios emocionais certamente irão percorrer toda a história daqueles que você sempre falou o quanto amava, mas esqueceu que o caminho se faz caminhando e acabou deixando muitas pendências pela travessia da vida.